Cuba, país que já foi ‘ateu’, agora vê aumento de evangélicos
Em meio ao agravamento da crise econômica em Cuba, manifestações públicas de fé cristã, especialmente evangélica, têm ganhado cada vez mais visibilidade. Nas ruas de Havana, cultos e orações ao ar livre, muitas vezes liderados por jovens, são cenas cada vez mais frequentes. Um exemplo emblemático dessa mudança ocorre na Plaza del Cristo, no extremo […] The post Cuba, país que já foi ‘ateu’, agora vê aumento de evangélicos first appeared on Folha Gospel.

Em meio ao agravamento da crise econômica em Cuba, manifestações públicas de fé cristã, especialmente evangélica, têm ganhado cada vez mais visibilidade. Nas ruas de Havana, cultos e orações ao ar livre, muitas vezes liderados por jovens, são cenas cada vez mais frequentes.
Um exemplo emblemático dessa mudança ocorre na Plaza del Cristo, no extremo oeste da capital. Ali, “em frente a um edifício com uma imagem de aproximadamente um metro de altura do revolucionário Che Guevara”, grupos se reúnem para realizar uma prática que, até recentemente, era rara: “fazer orações em público”.
Com frequência, esses encontros incluem pedidos por transformação espiritual e superação das dificuldades. “Com os braços erguidos, eles pedem as bênçãos de Jesus por dias de prosperidade e coragem para enfrentar a batalha entre o bem e o mal”.
Esse novo cenário contrasta com a tradição do país. Conhecida historicamente por adotar uma linha ideológica materialista, Cuba já foi considerada um “Estado ateu”, moldado por uma estrutura educacional e política inspirada no modelo soviético. Hoje, porém, o país presencia uma mudança expressiva no campo religioso, com o avanço das igrejas evangélicas.
A transformação ocorre justamente no momento em que a ilha enfrenta “a maior crise econômica enfrentada pelo país nas últimas três décadas”. Especialistas e líderes religiosos apontam que o contexto de incertezas, agravado pela pandemia de Covid-19, tem levado um número crescente de cubanos a buscar refúgio na fé.
Ainda que não existam dados oficiais atualizados sobre a proporção de evangélicos no país, estudiosos indicam que a tendência é clara. “Sem dúvida temos visto um aumento [dos evangélicos em Cuba] nos últimos cinco anos”, afirma o pesquisador Pedro Alvarez Sifontes.
A avaliação é compartilhada por outros líderes religiosos ouvidos pela imprensa. “Depois da pandemia, a crise levou muito mais pessoas a se aproximarem da fé e das igrejas”, observa o teólogo Eliecer Portal. Para ele, “momentos de crise chamam as pessoas à fé, principalmente quando sentem que suas vidas estão em jogo”.
Embora a religiosidade faça parte da história cubana, marcada pela colonização espanhola e pela forte presença do catolicismo e das religiões afrodescendentes, a Revolução de 1959 impôs um afastamento entre o Estado e qualquer prática religiosa. A Constituição de 1976 oficializou o país como laico, mas em bases ateístas.
“A Constituição proclama a liberdade religiosa e o direito de praticar qualquer religião que se queira. Mas, depois disso, havia um artigo que dizia que o Estado era obrigado a propor e realizar todo o trabalho educacional baseado na concepção científica marxista-leninista”, relembra Sifontes.
Segundo o pesquisador, esse modelo foi incorporado à cultura e à educação cubanas. Ele explica que “no ensino superior, foi criada uma disciplina chamada Comunismo Científico”, voltada a consolidar um pensamento ateu baseado no positivismo neomarxista.
Além da ideologia formal, o governo adotou práticas restritivas. “Pessoas religiosas não podiam cursar certas áreas, como jornalismo; não podiam acessar cargos governamentais diretamente. Se você declarasse sua religião ou filiação religiosa, não teria acesso a cargos de liderança no governo”, diz Sifontes.
Ele também relata que a filiação ao Partido Comunista da Juventude exigia compromisso com o ateísmo. “Todos eram questionados sobre sua ascendência religiosa, para tudo. Para ser membro do Partido Comunista da Juventude, você também tinha que declarar seu status ateu, sua posição ateia. Se não, você não era admitido. E isso, claro, para nós, cria toda uma concepção de um Estado ateu.”
Apesar das barreiras impostas, a fé resistiu no cotidiano dos cubanos, muitas vezes exercida de forma discreta, em espaços privados ou pequenos templos comunitários.
Nos últimos anos, especialmente após a queda da União Soviética e as reformas econômicas dos anos 1990, o governo cubano passou a flexibilizar sua postura diante das religiões. A Constituição de 2019 marcou mais uma etapa nesse processo ao “assegurar o direito à liberdade religiosa, independentemente da crença professada”.
Agora, em um cenário de escassez material e de busca por esperança, a fé cristã — e em especial as igrejas evangélicas — ressurge com vigor, impulsionada por jovens, novos formatos de culto e pelo apoio comunitário oferecido por essas congregações.