Interior do Amazonas: o Brasil que some na floresta (e no esquecimento)

Interior do Amazonas: o Brasil que some na floresta (e no esquecimento)

FALA RUEIRO:

Você talvez nem perceba, mas tem cidade no Amazonas que some mais rápido que "visage" na madrugada. São pequenas, perdidas entre rios, cercadas por verde e por promessas que nunca chegam. O que deveria ser um paraíso de possibilidades virou um cenário de abandono — um Brasil que encolhe, apodrece e escorrega pelo igarapé da negligência institucional.

Onde estão os jovens? No barco pra Manaus!

O jovem amazonense do interior não sonha mais em construir sua vida na própria cidade. Ele sonha em sair. Em cidades como Borba, Nova Olinda do Norte, Careiro e Autazes, a realidade é a mesma: escolas sem estrutura, internet que funciona só quando o tempo está bom (ou seja, nunca) e uma economia baseada em pesca, subsistência e muito improviso.

Quando a moçada termina o ensino médio (se conseguir chegar até lá), a decisão já está tomada: Manaus, ou qualquer cidade onde haja faculdade, emprego e dignidade. E assim, o interior do Amazonas vai envelhecendo — e morrendo.

Saúde? Só se for de canoa

Se alguém adoece em uma comunidade ribeirinha, começa a novela: “chama a voadeira”, “espera o barco da prefeitura”, “talvez tenha médico no centro de saúde”. O sistema é precário, o transporte é um drama e a emergência, bem… depende da maré. Literalmente.

Nos municípios do interior, a população vive sob a lógica da espera. Espera médico. Espera vacina. Espera ambulância fluvial. Enquanto isso, o tempo passa — e às vezes, a pessoa também.

O vício do FPM e o mito da autossuficiência

Os municípios do Amazonas vivem, em sua maioria, de repasses federais. O Fundo de Participação dos Municípios é o grande fiador da máquina pública — porque arrecadação própria? Só nos sonhos. Produção industrial? Inexistente. Turismo sustentável? Falta acesso, promoção e… vontade política.

Cidades inteiras vivem em torno da prefeitura, a maior empregadora local. Funciona como um feudo moderno: quem é amigo do rei ganha cargo. Quem não é… pesca. E reza pra dar peixe.

Autazes: do leite de búfala ao potássio bilionário

Autazes é um exemplo quase didático dessa contradição. A cidade é famosa por sua produção de leite de búfala — chegou a ser a maior do país — mas nunca transformou isso em riqueza local real. A economia gira, mas gira devagar, com limitações de infraestrutura e pouca industrialização.

Agora, com a chegada da Brazil Potash e um projeto bilionário de extração de potássio, Autazes virou manchete nacional. A empresa promete R$ 13,7 bilhões de investimento, milhares de empregos e a redenção mineral do Brasil. Mas a promessa veio empacotada com conflito: o povo Mura denuncia a ausência de consulta indígena, o Ministério Público entrou no circuito e o projeto virou novela com reviravolta ambiental.

O que pode acontecer?

A cidade pode, sim, crescer. Mas também pode virar mais um exemplo de desenvolvimento extrativista: extraem tudo, deixam pouco e somem com o lucro pelo mesmo rio por onde chegaram.

Transporte: o desafio da geografia (e da política)

Não é só distância. É falta de vontade. Chegar em municípios como Codajás, Juruá ou Japurá pode levar dias de viagem em barco. Estradas? Quase nenhuma. Hidrovias bem estruturadas? Sonho. E a internet, quando existe, funciona como em 2002.

Esse isolamento, causado não só pela geografia mas pelo abandono do Estado, transforma as cidades em ilhas de esquecimento. São brasileiros que falam português, pagam imposto e votam — mas vivem como se estivessem em outro século.

Conclusão: o Amazonas profundo pede socorro (mas ninguém ouve)

O interior do Amazonas está desaparecendo. Não por causa da floresta — ela é o que resta de esperança — mas por causa do esquecimento sistemático, da falta de política pública que não seja eleitoreira e da dependência de promessas que nunca viram ação.

Enquanto isso, a vida segue. O jovem parte, o velho reza, o prefeito discursa e o povo ribeirinho continua a viver como se o futuro fosse um barco que nunca chega.

E se você estiver lendo isso numa cidade grande, saiba: o Amazonas não é só floresta. É povo, é cultura, é riqueza ignorada. Só falta alguém lembrar disso.

Ou, pelo menos, fingir que se importa.