Novos indicadores da atenção primária geram otimismo e debate sobre resultados reais

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Novos indicadores da atenção primária geram otimismo e debate sobre resultados reais

Mais de um ano após o anúncio do modelo que substitui o Previne Brasil, o Ministério da Saúde divulgou, em maio, os indicadores de resultados que terão impacto no novo financiamento da atenção primária nos municípios. Ao todo, são 15 indicadores de qualidade que passarão a interferir na avaliação das equipes a partir de 2026. O novo modelo foi bem recebido pelos municípios e avaliado por especialistas como um avanço em relação à matriz anterior, que contava com apenas 7. No entanto, restam dúvidas se os novos indicadores da atenção primária atingirão resultados e ressalvas de como o repasse de recursos funcionará na prática.

Os indicadores de qualidade se somam ao componente fixo por equipe e ao componente vínculo e acompanhamento territorial para formar o financiamento da atenção primária. Entre eles, estão eixos de cuidados de diabetes, hipertensão, gestante e do puerpério, na prevenção do câncer em mulheres, pessoa idosa, desenvolvimento infantil, escovação dentária supervisionada em crianças, consulta e tratamento odontológico. Os valores fixos previstos variam entre R$ 12 a R$ 18 mil para cada equipe e os variáveis vão de R$ 4 a R$ 16 mil. 

Além disso, o Ministério da Saúde também anunciou o lançamento de um novo sistema de informação para atenção primária, que deverá facilitar o acompanhamento desses indicadores. Também haverá a divulgação de relatórios mensais mostrando o desenvolvimento dos indicadores junto aos usuários do SUS.

Na avaliação de especialistas, apesar do avanço em relação ao Previne Brasil, o novo modelo peca em medir processos e não resultados, o que levaria o Ministério para outro patamar nas políticas de saúde. “Indicadores de resultados são alcançados via longitudinalidade. Se esses profissionais médicos não permanecerem ao longo do tempo no território, acompanhando e com o vínculo adequado com as famílias, os resultados não vão ser alcançados”, afirma Ricardo Heinzelmann, diretor de exercício profissional da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC).

Do lado dos municípios, a avaliação é que os indicadores são pertinentes e há disposição do Ministério da Saúde para fazer a formação dos profissionais no âmbito do programa, com oficinas online para cada um dos indicadores. Entretanto, apontam que ampliar a cobertura das equipes de saúde da família é essencial para melhorar o acesso da população.

“É importante avaliar o resultado desse processo de trabalho. Agora, se condicionar o pagamento e o repasse de recurso federal a esses indicadores implica em melhoria do atendimento lá da ponta, é uma discussão bastante polêmica. Entendemos que o importante é que os três entes, União, Estado e municípios, invistam para que haja essa melhoria”, afirma Aparecida Linhares Pimenta, assessora técnica do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems/SP), que acompanha a implementação da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB).

Reação dos municípios

Os municípios, que se consideram penalizados pelo modelo de financiamento anterior do Previne Brasil, são os principais interessados na mudança. Por isso, entidades representativas acompanham o tema com atenção para entender o que muda na prática dos profissionais que atuam na ponta.

“Quando o Previne passou a usar como critério de repasses de recurso financeiro federal o cadastro, os municípios saíram fazendo cadastro e muitas vezes não eram acompanhados de uma qualificação. Se você faz o cadastro e não faz o cuidado, passa a ser só um ato burocrático cartorial para captar recursos. Essa é uma mudança interessante no novo financiamento” observa Pimenta, que explica que agora, a qualidade do cadastro é avaliada.

Os indicadores divulgados pelo Ministério em maio avaliam a atuação das equipes de saúde da família e de atenção primária, equipes multiprofissionais e equipes de saúde bucal. Seus trabalhos serão classificados como regular, suficiente, bom ou ótimo, de acordo com as entregas, sendo que cada nota terá um valor atrelado. 

A assessora técnica do Cosems/SP explica que, por enquanto, eles não estão sendo considerados para efeito de repasse de recursos, já que sua implantação depende de processos como registro nos sistemas de informação da atenção básicas e mudanças na gestão do cuidado e atendimento. “Como são muitos indicadores, poderão ter um impacto grande no financiamento da atenção básica”, comenta.

Dessa forma, até o início de 2026, todas as equipes cadastradas em municípios estão classificadas com “bom”, tendo um repasse fixo até os indicadores entrarem em vigor. Ao longo do ano, oficinas ocorrerão para que as equipes se adequem à novidade. No entanto, Pimenta reforça que é preciso ir além das oficinas: “ É importante ter processos de educação permanente, capacitação, espaços onde as equipes possam refletir sobre o processo de trabalho, assim como ter um conselho local de saúde onde o usuário possa dialogar com a equipe. Também é importantíssimo que você tenha fluxos na atenção básica para acesso à atenção especializada muito bem estabelecidos”, afirma.

O Cosems/SP defende que outros aspectos sejam analisados e considerados na questão do repasse, como as diferenças regionais e as complexidades de cada equipe. Para além do acréscimo ou redução de valores, aponta que é preciso apoio do Ministério da Saúde e financiamento tripartite para fortalecimento da atenção básica. 

“O município que não está tendo bons resultados em relação aos indicadores, deve receber menos recurso? Não, deve receber mais junto com o apoio para ele melhorar. E a proposta dos indicadores é exatamente o contrário. Se você atinge bons resultados, você recebe o recurso. Se você não atinge esses resultados, você não recebe”, lamenta a assessora técnica da entidade.

Auxílio aos municípios

A ImpulsoGov, organização que utiliza inteligência de dados para apoiar a atuação dos municípios na saúde, possui um sistema chamado Impulso Previne, que traz análises e recomendações para que as equipes consigam atingir as metas e indicadores propostos no modelo de financiamento antigo. Agora, com a mudança, será preciso adaptar o programa.

Nossa primeira análise é que os indicadores não trazem grandes mudanças para o dia a dia do profissional da atenção primária. A novidade é que vai ser monitorado e atrelado ao financiamento”, afirma Juliana Ramalho, gerente de Projetos e Saúde Pública da ImpulsoGov.

O apoio aos municípios inclui gerar lista de pacientes com consultas e exames pendentes para direcionar aos profissionais de saúde, com base em dados públicos. Isso contribui com a busca pelas metas estabelecidas nos indicadores como, por exemplo, proporção de pessoas com hipertensão, com consulta e pressão arterial aferida no semestre.

“Nesse novo financiamento não vai ser só a pressão arterial que vai ser muito importante, mas também essas pessoas terem o seu peso e a sua altura aferida, assim como conseguir passar mais vezes com o médico ou com uma enfermeira. Esses outros critérios já eram feitos pela atenção primária, só não eram financiados. Não tinham notas que geravam financiamento e agora vão ter”, explica Ramalho.

A gerente de Projetos e Saúde Pública evita fazer apontamentos de pontos negativos sobre os indicadores. No entanto, reforça que é preciso capacitar os profissionais para fazerem o atendimento e o registro qualificado de dados. Entre os destaques positivos, aponta que a adição de um indicador sobre câncer nas mulheres, fazendo o rastreio e incentivando a vacinação do HPV, é importante para à saúde pública.

“Muitos dos municípios estão ansiosos. Temos as regras já muito ditas, tem nota técnica e nota metodológica já publicada, mas como que transforma na prática uma nota metodológica com todos aqueles nomes em algo mais factível, mais didático para consumo desses municípios?”, avalia Ramalho.

Visão dos médicos da atenção primária

Ricardo Heinzelmann, diretor de exercício profissional da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), explica que, no Previne Brasil, o número limitado de indicadores atrelados aos financiamentos provocava um problema. Segundo ele, isso levava à pressão de gestores para que equipes focassem nesses critérios em detrimento de outras ações também importantes no âmbito da saúde da população.

Agora, aponta que a ampliação de indicadores possibilita um maior diálogo com a lógica do dia a dia de trabalho das equipes. Ao cuidar de condições dos pacientes, os médicos, enfermeiros e outros profissionais da saúde, já estão conectados aos indicadores. Contudo, observa que faltou a participação na construção desses itens. “Os novos indicadores foram já um avanço, mas, ao contrário do que esperávamos, não houve um diálogo para essa construção, com a SBMFC, trabalhadores que estão na ponta. Sei que várias outras entidades muito importantes também não tiveram essa possibilidade”, afirma Heinzelmann.

O diretor defende que o novo financiamento e indicadores perderam uma oportunidade de atuar em resultados ao invés de buscar processos. Com esse outro foco, se poderia gerar um novo modelo assistencial baseado em valor. O tema tem ganhado força nas discussões sobre saúde suplementar e políticas públicas. “Carece de ter ousado um pouco mais. Ter indicadores de impacto é um desafio. Ainda ficamos muito no campo de indicadores de processo. Claro que melhorou. Agora além da hemoglobina glicada vai ser incluído o pedido e o registro da hemoglobina, por exemplo. Mas e qual o valor?”, questiona Ricardo.

O foco em processos pode ser exemplificado pelos indicadores de cuidado de pessoa com diabetes e cuidado da gestante e puérpera. No primeiro caso, os eventos considerados são consulta com médico ou enfermeiro, aferição de pressão arterial, hemoglobina glicada, registro de peso e altura, visita domiciliar e registro de avaliação dos pés. Já o indicador de cuidado da gestante e puérpera procura monitorar boas práticas no pré-natal, com o intuito de reduzir a morbimortalidade materna e neonatal. Serão medidos consulta com médico ou enfermeiro, aferição de pressão arterial, registro de realização de testes rápidos avaliados, peso e altura, visita domiciliar, vacinação contra difteria, tétano e coqueluche, além de consulta odontológica.

Apesar do aumento de indicadores, Ricardo Heinzelmann, da SBMFC, também indica que esses permaneceram muito tradicionais e deveriam dialogar mais com o cenário epidemiológico brasileiro. Aponta, por exemplo, o aumento do tabagismo na população e saúde mental como temas que mereciam mais atenção.

Além disso, Heinzelmann observa como ponto positivo o incentivo do papel dos agentes de saúde para a atenção primária. No entanto, reforça que o novo financiamento precisa vir acompanhado de outras discussões sobre carreira e formação para todos os profissionais da saúde. “A maioria dos municípios não cumpriu os indicadores do Previne Brasil e, se continuar da forma como está, não cumprirá também esses novos indicadores”, finaliza.